Mulheres eram maioria na quadrilha do Detran/RJ
Das 38 pessoas presas pela polícia do Rio por fraudes no Detran, 25 são mulheres jovens e sem antecedentes criminais. Bando planejava matar uma colega, por suspeitar que ela teria colaborado com as investigações
A operação ‘Asfalto Sujo’, que prendeu 38 pessoas na manhã desta terça-feira no estado do Rio, desbaratou uma quadrilha que cobrava propina para realizar serviços de forma ilegal em quatro postos de vistoria do Detran. Apesar da grande dimensão da fraude – o grupo arrecadava 200 mil reais por mês, forjando documentos e transferindo veículos com documentação irregular – o golpe não chega a ser inovador. A surpresa do esquema está nos seus integrantes. Dos presos até o meio-dia, 25 eram mulheres, quase todas jovens e sem antecedentes criminais. Três pessoas estão foragidas.
Mulheres detidas na operação 'Asfalto Sujo', que prendeu cerca de 40 pessoas e denunciou 53 por fraudes no Detran do Rio – Foto: Pâmela Oliveira.
A ação, para cumprir 41 mandados de prisão e 67 de busca e apreensão, foi antecipada para hoje devido a uma conversa telefônica interceptada pela polícia. Dois envolvidos no esquema criminoso falaram, na conversa, que a quadrilha tinha a intenção de matar uma funcionária do posto de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. Os acusados ficaram sabendo que havia uma investigação e acreditavam que ela havia denunciado o esquema. A suspeita dos criminosos surgiu depois da apreensão de documentos pela corregedoria no posto, na última quinta-feira. Na ocasião, também foi apreendido um carro parado no pátio do posto, onde foram encontrados documentos do Detran em branco.
“Nos surpreendeu a complexidade, a grande quantidade de mulheres e a agressividade da quadrilha. Na escuta, um dos denunciados pergunta ao outro se nada aconteceria com a moça que eles acreditam ter denunciado o esquema fraudulento. O outro responde ‘fica tranquilo. A gente vai matar’. E ele diz isso com muita frieza, como se fosse certo que a moça seria morta. Resolvemos antecipar a divulgação até para essas pessoas saberem que se algo acontecer com a moça, que já foi identificada, eles serão responsabilizados”, afirmou o delegado Anthony Alves, corregedor do Detran.
A composição da quadrilha, que tem até o momento 53 denunciados, é inusitada, segundo afirmaram, na apresentação dos resultados da operação, integrantes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público do Rio, e da Polícia Civil. Apesar de ocuparem postos sem grande relevância na estrutura do Detran, as mulheres tinham papel importante no funcionamento da quadrilha, operando desde a emissão de documentos sem a presença dos veículos e fazendo vista grossa para as ilegalidades que os despachantes encobriam – recebendo, para isso, somas a mais dos proprietários.
As fraudes foram detectadas em Itaboraí – onde está sendo construído o Comperj, investimento de 22 bilhões de reais da Petrobras – e nos municípios de São Gonçalo, Magé e Campos, todos com grande volume de veículos. A investigação sobre a quadrilha começou há seis meses, e envolveu o órgão do MP especializado em crimes que envolvem autoridades, policiais e servidores, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), com participação da Promotoria de Investigação Penal (PIP) de Itaboraí. Trabalham na operação “Asfalto Sujo”, como a ação foi batizada, 287 agentes da polícia, do MP e do Detran.
A estimativa dos investigadores é de que, desde julho de 2009, a quadrilha lucrava cerca de 200 mil reais por mês com várias práticas ilegais, entre elas o que é chamado de “vistoria fantasma”. Com participação de funcionários e despachantes, os proprietários de veículos que recorriam ao esquema obtinham os documentos de licenciamento anual sem que o veículo fosse levado ao posto para inspeção. Despachantes que vendiam o serviço tratavam de distribuir a propina aos envolvidos na fraude, entre eles vistoriadores, peritos, técnicos de controle, certificador, supervisor e, em alguns casos, até para o chefe e o subchefe do posto de vistoria.
A operação também detectou a prática conhecida como “pulo”: Funcionários do Detran autorizavam a transferência o veículo para um novo proprietário, mesmo sem o recibo de compra e venda ter sido preenchido e assinado. Dessa forma, os fraudadores evitavam o pagamento da taxa de transferência dos veículos.
Entre os denunciados estão os chefes dos postos de Campos e de Itaboraí, o subchefede Itaboraí, além de funcionários responsáveis pela emissão de documentos, despachantes oficiais e zangões. As investigações começaram em Itaboraí, mas ao longo do trabalho foram identificadas fraudes nas outras cidades. O chefe de Campos é um policial militar.
A “tabela” para cobrança de propina tinha preços que variavam de 50 a 1.200 reais, dependendo da complexidade do serviço e do número de envolvidos na fraude.